O que muda com o Marco Legal das Startups?

Com as crescentes inovações no mercado através de empresas com modelo de negócio disruptivo, que operam em situação de extrema incerteza, transformando o cenário empresarial, foi necessário uma regulamentação específica para desburocratizar, garantir segurança jurídica e fomentar o desenvolvimento.

Mas, o que passa a valer após a sanção do Marco Legal das Startups? Confira abaixo:

1) Do processo legislativo para promulgação da lei

O Projeto de Lei Complementar n° 146-A de 2019, que institui o Marco Legal das Startups, de autoria do ex-deputado federal JHC (PSB-AL), atual prefeito de Maceió, foi aprovado na última terça-feira, 11 de maio de 2021, pela Câmara dos Deputados.

Tem como objetivo desburocratizar o desenvolvimento de negócios, facilitar a segurança jurídica estimulando o investimento em empreendedorismo inovador que estejam nos estágios iniciais, bem como regularizar o procedimento de contratação de soluções inovadoras pela administração pública

No processo legislativo de criação de lei, é necessário que o projeto seja aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, que por vezes exercem o papel casa iniciadora, lugar onde é iniciado o trâmite de um projeto de lei, e casa revisora, funcionando como revisora ao apreciar projeto de lei originário da outra casa e por ela aprovado.

No caso do Marco Legal das Startups, a casa iniciadora foi a Câmara dos Deputados, sendo posteriormente revisado pelo Senado Federal, que promoveu algumas alterações de mérito no texto e aprovou, por isso, precisou retornar à casa iniciadora para análise e aprovação das alterações realizadas.

Assim, como o projeto de lei foi aprovado e finalizado pelas Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), deve ser encaminhada ao Presidente da República, a redação final, onde o mesmo tem o prazo de 15 (quinze) dias, contados da data de recebimento, para vetar ou sancionar.

É importante esclarecer que o veto é a discordância, do Presidente da República, com o projeto de lei aprovado pelas duas Casas, que pode ser quando a matéria é considerada contrária ao interesse público ou por inconstitucionalidade, sendo total ou parcial, no entanto, em caso de discordância parcial deve ser vetado o texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, conforme determina a Constituição Federal, no art. 66, §1°e §2°.

Por outro lado, a sanção é a concordância ao projeto proposto, mas caso não haja manifestação no período mencionado é considerado sancionado tacitamente, ao contrário do veto que deve ser expresso e motivado.

2) Aspectos práticos da legislação

2.1. O que passa a ser conceituado como startups para os fins da lei

Segundo Eric Ries, Startup é uma instituição humana para criar novos produtos e serviços inovadores sob condições de extrema incerteza, através de um modelo de negócio escalável e repetível, de natureza incremental ou disruptiva.

Para os efeitos do projeto lei em comento, após a promulgação, instrumento que declara a existência da lei, as empresas que preencham cumulativamente os requisitos do Capítulo II, artigo 4°, serão enquadradas como Startups, e consequentemente aplicados o tratamento especial do Marco Legal quando couber, veja-se:

1 – Limitação do faturamento: Receita bruta de até 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil e trezentos e trinta e quatro reais), multiplicado pelo número de meses de atividade´do ano-calendário anterior, quando for menor que 12 (doze) meses.

2 – Tempo de exercício: Até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ, que deverá ser contabilizado da seguinte forma:

  • a) empresas decorrentes de incorporação: tempo de inscrição da empresa incorporada;
  • b) empresas decorrentes de fusão: maior tempo de inscrição entre as empresas fundidas;
  • c) empresas decorrentes de cisão: tempo de inscrição da empresa cindida, quando houver criação de nova sociedade, ou da empresa que a absorver, quando houver transferência de patrimônio para a empresa existente.

3 – Modelo de negócio: precisará comprovar o enquadramento no regime especial Inova Simples e/ou declaração no ato constitutivo de modelos de negócios inovadores.

3) Segurança jurídica para investimento em inovação e consequências

O Marco Legal das Startups prevê no Capítulo III, a possibilidade de aporte de capital por pessoa física ou jurídica, podendo resultar ou não em participação no capital social, por outro lado, enumera os instrumentos que deverá ser utilizado e não será considerado como integrante do capital social, dentre eles, o famoso contrato de mútuo conversível.

Vale frisar que o investidor que realizar aporte de capital, desde que preencha os requisitos, não será considerado como sócio/acionista nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responderá por dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial e em desconsideração da personalidade jurídica, desde que não seja caracterizado dolo, fraude ou simulação com o envolvimento do investidor.

Isto é, a legislação traz muito evidente a figura do que é investidor e do que é sócio operador, por conta da blindagem patrimonial, apesar disso, na realidade, ele pode atuar como mentor na tomada de decisão, fazer conexões e acompanhar de perto o desenvolvimento do negócio.

Na prática, é importante atentar-se e ter cuidado com as cláusulas contratuais, para que ele não disponha de atribuições que não cabe ao investidor, e por conseguinte não seja caracterizado, através de prova documental, que na verdade há a relação de sócio/acionista, uma vez que o investidor que realizar o aporte de capital somente poderá ser considerado quotista, acionista ou sócio quando houver a conversão do instrumento que originou o aporte em efetiva participação societária.

Além disso, a nova legislação também dispõe sobre a possibilidade do investidor pessoa física, que perder os investimentos decorrentes dos contratos de aportes elencados no artigo 5°, compensar com o ganho de capital, assim, tributando só o lucro líquido.

Ou seja, muitos dos investidores, pessoa física, geralmente investem em mais de uma startup, sendo que nem todos os investimentos geram frutos, assim, funcionará da seguinte forma, o imposto será calculado com base nas perdas e ganhos de todos os aportes, semelhante à compensação das perdas em ações listadas na bolsa de valores.

No entanto, caso seja preenchidos os requisitos e utilizado esses valores do custo de aquisição, para fins de ganho de capital, resulta na remissão da dívida da startup, explica-se, remissão é o ato de perdoar a dívida, nesse caso quem “emprestou” o dinheiro, o investidor, que renuncia o seu direito, e tem embasamento no Código Civil, artigo 385, nos seguintes termos:

  • Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro.

A renúncia em receber o valor referente ao acordo contratual por parte do investidor, ou seja, do “empréstimo”, é caracterizado como doação, e para o direito o ato de dar algo está sujeita a declaração e recolhimento de imposto, tendo em vista que a transferência de dinheiro está sujeito à incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, de competência estadual, variando de estado para estado quanto a forma de aplicação.

Vale ressaltar que o recolhimento do imposto é de responsabilidade de quem está recebendo o dinheiro, nesse caso a startup que recebeu a doação.

3) Investimento em startup por empresas para benefício fiscal

De acordo com a Lei do Bem n° 11.196/2005, o Governo Federal proporciona alguns incentivos fiscais para minimizar a carga tributária às empresas que investem em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, isto é, desde que preencham os requisitos e prestem informações sobre os programas investidos.

Com o surgimento do Marco Legal, essas empresas poderão alocar uma parte do investimento em startup, por meio de: a) Fundos Patrimoniais; b) Fundos de Investimento em Participação – FIP e c) Editais e Programas de Fomento. Que será considerado o cumprimento do investimento em pesquisa e desenvolvimento.

4) Desburocratização

4.1 –  Sandbox regulatório

Vale esclarecer que, o sandbox regulatório, em outras palavras, é um ambiente regulatório experimental que possibilita às pessoas jurídicas testarem projetos inovadores, com consumidores reais, sujeitando-se aos requisitos estabelecidos previamente pela entidade reguladora.

Com o intuito de possibilitar e desburocratizar a inovação, a nova lei dispõe sobre o ambiente regulatório e delegou para os órgãos e entidades da administração pública, individualmente ou em colaboração, a atribuição de afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada.

Com isso, o órgão ao dispor sobre o funcionando do programa experimental deverá estabelecer: I – os critérios para seleção ou para qualificação do regulado; II – a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas; e III – as normas abrangidas.


4.2 – Modificações na lei de sociedade por ações – S.A

A constituição e funcionamento de uma Sociedade por Ações – S/A, regido pela Lei n° 6.404/76, é de difícil operacionalização e tem seus custos elevados, com o novo marco legal das startup foram introduzidas algumas alterações,viabilizando uma estruturação mais simples e diminuindo os custos, atendendo assim os anseios dos empreendedores, vejamos as primeiras alterações:

  • 1) Quanto à administração: Passa a ser possível pelo menos um diretor
  • 2) Quanto à publicação: Passa a ser possível a publicação de forma eletrônica, incluindo as convocações, atas e demonstrações financeiras, além da substituição de livros por registros mecanizados ou eletrônicos, para a companhia fechada com receita bruta anual de até 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais).

Initial public offering – IPO, ou oferta pública inicial, em português, é o sonho de muitos empreendedores de startups, representando o marco em que a empresa receberá novos sócios através de uma oferta de ações no mercado, portanto, se tornando uma companhia de capital aberto com papéis negociados na Bolsa de Valores, mas para uma empresa fazer é necessário cumprir um conjunto de regras e regulamentos.

Assim, o novo marco prevê a possibilidade da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, entidade que regula o mercado de capitais, reger as condições para facilitar o acesso de companhias de menor porte, podendo dispensar ou modular algumas obrigatoriedades previstas na lei de S.A.

Além disso, conceitua que é considerado como empresa de menor porte aquela que aufira receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), sendo que a CVM, poderá atualizar o valor e os critérios para manter a condição de companhia de menor porte após seu acesso ao mercado de capitais, bem como disciplinar o tratamento a ser empregado, ou seja, autoriza que a mesma flexibilize essas regras.

5) Da modalidade especial de contratação com o poder público

Para que haja contratação com a administração pública, é necessário que seja respeitado um procedimento prévio licitatório, ressalvados os casos de dispensa, que são submetidos à regência da Lei de Licitação. A partir da vigência do Novo Marco Legal das Startup, as empresas consideradas inovadoras, deverão seguir a nova modalidade especial de licitação.

A nova legislação dispõe sobre duas fases de contratação, a primeira é para desenvolver a solução: a administração pública apresentará o problema a ser resolvido e os resultados que são esperados.

O procedimento licitatório será da seguinte forma, o edital de licitação será divulgado, com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias corridos até a data de recebimento das propostas, que serão avaliadas e julgadas por uma comissão especial composta por, no mínimo, 03 (três) pessoas com conhecimento no assunto, das quais 01 (uma) deverá ser servidora do órgão e 01 (uma) professora de instituição pública de educação superior na área relacionado ao tema de contratação.

Nessa modalidade de licitação, os critérios para julgamento deverão considerar o potencial resolução do problema pela solução proposta, o grau de desenvolvimento da solução e a viabilidade e maturidade do modelo de negócio, podendo ser selecionada mais de uma proposta, a depender da limitação de quantidade estipulado no edital.

A análise da documentação referente aos requisitos da habilitação será posterior à fase de julgamento das propostas, que poderá, mediante justificativa expressa, dispensar habilitação jurídica, técnica e qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal, bem como a prestação de garantia para contratação. Por fim, superada a fase de julgamento das propostas, a administração pública poderá negociar as condições econômicas e os parâmetros de pagamento que serão adotados, com a posterior ratificação de todo o procedimento licitatório para que produzam os efeitos.

Nesse sentido, será celebrado Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI, que deverá conter as metas a serem atingidas, a metodologia, a forma e periodicidade da entrega de relatórios de andamento da execução contratual, matriz de riscos entre as partes, titularidade dos direitos de propriedade intelectual da criação, das startup vencedoras.

O valor máximo a ser pago à contratada, pelo desenvolvimento da solução, será de R $1.600.000,00 (um milhão e seiscentos reais), e o contrato terá vigência limitada a 12 (doze) meses, prorrogável por mais 12 (doze).

Por fim, após o encerramento do contrato mencionado, a administração pública poderá celebrar o segundo contrato com a mesma contratada, sem nova licitação, para fornecimento do produto, na fase de contratação da solução, que por sua vez a vigência será de 24 (vinte e quatro) meses, prorrogável por igual período.

Fonte: https://canaltech.com.br/startup/afinal-o-que-muda-com-o-marco-legal-das-startups/

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